Expectativas, Crenças e Autenticidade

Na busca por autenticidade, somos constantemente desafiados a lidar com uma série de influências externas que moldam nosso comportamento e percepção de nós mesmos. Vivemos em uma sociedade repleta de expectativas, vontades e crenças que podem ser absorvidas de forma inconsciente, influenciando a maneira como nos expressamos no mundo. A psicologia analítica, desenvolvida por Carl Gustav Jung, nos oferece ferramentas profundas para compreender essas influências e, especialmente, o impacto daquilo que ele chamou de "persona" e "sombra" no desenvolvimento de nossa individualidade.

A Persona e o Papel da Sociedade

Na teoria junguiana, a "persona" representa o papel que desempenhamos na sociedade. É a máscara social que utilizamos para nos adaptarmos às expectativas do meio. Por mais necessária que seja para a vida em comunidade, a persona carrega o risco de se tornar um reflexo impessoal das demandas externas, impedindo-nos de vivenciar nosso verdadeiro eu. A esse fenômeno, Verena Kast, no livro A Sombra em Nós, refere-se à persona impessoal – um comportamento excessivamente influenciado pelos outros, que não reflete quem realmente somos.
A persona impessoal é construída ao longo da vida, a partir das mensagens que recebemos de nossos pais, amigos, professores, e da sociedade como um todo. Somos ensinados, muitas vezes desde a infância, a atender certas expectativas. Se essas expectativas forem interiorizadas sem questionamento, corremos o risco de perder contato com nossa autenticidade. Nesse processo, o que sentimos, pensamos ou desejamos genuinamente é abafado pela necessidade de conformidade.

A Sombra: O Eu Reprimido

Enquanto a persona se manifesta como a face pública, a sombra, por outro lado, representa todos os aspectos de nossa personalidade que são reprimidos ou negligenciados. Tudo aquilo que não se encaixa nas expectativas sociais ou familiares, tudo que é considerado inadequado ou inaceitável, é empurrado para o inconsciente. Jung descreve a sombra como o “lado escuro” da psique, que inclui tanto aspectos negativos quanto potenciais criativos reprimidos.
No entanto, ao nos distanciarmos da sombra, também nos afastamos de partes essenciais de nós mesmos. Verena Kast, em A Sombra em Nós, destaca que o confronto com a sombra é essencial para o processo de individuação – o caminho para nos tornarmos quem realmente somos. Quando não encaramos a sombra, vivemos sob a pressão constante de atender às expectativas alheias e deixamos de nos reconhecer. Ao integrá-la, começamos a libertar-nos das amarras da persona impessoal e a caminhar em direção à autenticidade.

Expectativas e Crenças Alheias: O Perigo da Absorção

As expectativas dos outros, sejam familiares, sociais ou culturais, frequentemente invadem nossa psique de maneira sutil. Elas moldam nossas decisões, nossos desejos e até mesmo nossa autopercepção. Uma vontade de agradar ou de pertencer pode nos levar a adotar crenças e comportamentos que não correspondem ao que sentimos no fundo de nosso ser.
Por exemplo, uma pessoa que foi criada em um ambiente onde o sucesso é medido exclusivamente por realizações profissionais pode acabar buscando esse modelo de vida, mesmo que, internamente, seu desejo seja mais voltado à arte, ao autoconhecimento ou a outro campo de interesse que não é valorizado pela sociedade ao seu redor. Nesse processo, a identidade autêntica dessa pessoa é sufocada pelas crenças externas absorvidas inconscientemente.
Kast reforça que a sombra carrega muitos dos anseios e desejos que reprimimos ao tentar nos adequar ao que esperam de nós. Essa repressão, porém, cobra um preço alto, manifestando-se em sentimentos de frustração, ansiedade e uma sensação de alienação de nós mesmos.

O Caminho para a Autenticidade

Ser autêntico não significa rejeitar completamente as expectativas alheias ou a persona. Afinal, todos nós precisamos de um grau de adaptação para viver em comunidade. O desafio, contudo, é não permitir que essas influências externas sufoquem nossa essência.
O caminho para a autenticidade, segundo a abordagem junguiana, passa pelo reconhecimento da sombra e pelo trabalho de integrar os aspectos reprimidos da personalidade. Isso exige coragem para questionar as crenças que absorvemos dos outros e discernir o que realmente reflete nossos valores e desejos.
Jung acreditava que a individuação, ou seja, o processo de tornar-se quem se é de verdade, ocorre por meio da integração desses elementos inconscientes. Ao nos confrontarmos com a sombra e ao nos libertarmos das amarras da persona impessoal, podemos começar a construir uma vida mais autêntica e significativa.

Finalizando

As expectativas, vontades e crenças dos outros exercem uma influência poderosa sobre nossa psique. Muitas vezes, sem perceber, adotamos esses elementos externos e permitimos que eles moldem quem somos e como nos apresentamos ao mundo. Contudo, ao explorar nossa sombra e questionar as influências externas, podemos começar a trilhar um caminho de maior autenticidade. A abordagem junguiana nos lembra que, para sermos verdadeiramente nós mesmos, é necessário integrar o que está oculto em nossa psique e, assim, nos libertar das máscaras que usamos para agradar os outros.
O livro A Sombra em Nós, de Verena Kast, oferece insights valiosos sobre esse processo, destacando a importância de encarar a sombra como um caminho para a realização pessoal. Somente ao confrontarmos e aceitarmos nossas partes reprimidas poderemos nos libertar das amarras da persona impessoal e caminhar em direção à nossa verdadeira essência.